Entre 2013 e 2023, os transtornos mais presentes nas faixas etárias de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos são a ansiedade e a depressão, conforme o Sistema Único de Saúde (SUS).
Com as políticas de democratização e universalização da Educação Básica implementadas nas últimas décadas no Brasil, a escola passa a ser lugar privilegiado para a promoção de ações e estratégias pensadas para a saúde mental de crianças e adolescentes. No entanto, essas ações precisam articular intersetorialmente as diversas áreas de atuação, em especial: a saúde, a educação e a assistência social. Alianças devem ser estabelecidas de modo a favorecer a construção de uma rede de proteção e assistência à criança e ao adolescente, por meio dos equipamentos públicos e atores que os compõem. Não existe promoção da saúde mental infantojuvenil sem articulação de redes intrasetoriais e intersetoriais – ou seja, a tarefa não deve ficar unicamente a cargo da educação.
Esse é um dos alertas apresentados pela Síntese de Evidências “Promoção de Saúde Mental no Contexto Escolar”, realização do D3e – Dados para um Debate Democrático na Educação e parceria com a B3 Social e a Fundação José Luiz Setúbal (FJLS), lançada em janeiro de 2025. O material apresenta os resultados de uma revisão bibliográfica de artigos científicos realizada por Vládia Jucá, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“Trabalhar a promoção da saúde mental no ambiente escolar é peça chave para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. As experiências vividas no ambiente escolar podem influenciar o estado de bem-estar físico e mental a longo prazo, seja por aspectos positivos ou não. É fundamental que as estratégias de promoção da saúde mental envolvam abordagem preventiva, com ações planejadas em rede, fortalecendo o vínculo entre escola, família e comunidade”, diz Márcia Kalvon, diretora de Filantropia e Advocacy na Fundação.
As crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos têm sido afetados constantemente por ansiedade e depressão – esses são os transtornos mais presentes no grupo, conforme dados de 2013 a 2023 apresentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). E é na escola que o sofrimento psíquico mais se apresenta. “Os educadores se sentem sensibilizados e, ao mesmo tempo, impotentes diante do sofrimento psíquico dos alunos”, explica Vládia. Por outro lado, a escola também aparece como espaço gerador de sofrimento, uma vez que agrega questões sociais maiores, como o racismo estrutural, a desigualdade social, a homofobia, dentre outras.
Tais questões estão presentes no bullying, frequentemente destacado como um importante fator no adoecimento mental dos estudantes. Diante destas dificuldades, a escola tem encaminhado crianças e adolescentes para os Centros de Atenção Psicossocial à Infância e à Adolescência. No entanto, é notório que os encaminhamentos não têm sido resolutivos para os problemas vividos na escola e têm agravado a superlotação dos serviços. É importante e mais produtivo estreitar as relações entre a saúde e a educação em um diálogo intersetorial que não fique restrito ao encaminhamento. “É possível cuidar antes que o sofrimento psíquico se apresente ou se agrave. O nome deste cuidado ampliado é promoção da saúde mental no contexto escolar”, afirma Vládia.
Para a promoção da saúde mental no contexto escolar, no âmbito da política pública, a autora apresenta algumas recomendações, tais como:
- Investir em estratégias destinadas a fornecer subsídios para que a escola possa realizar o trabalho territorial, sobretudo no que diz respeito aos deslocamentos necessários e contabilizando as atividades de mapeamento e construção de redes como parte integrante e fundamental do trabalho;
- Instituir políticas de incentivo no âmbito das secretarias municipais de educação para a criação de fóruns intersetoriais que envolvam os atores da rede de proteção e assistência a crianças e adolescentes;
- Pensar estratégias que valorizem e incentivem os trabalhos de redução de danos, que considerem a parceria entre as escolas e os CAPS para o cuidado dos usuários de álcool e outras drogas;
- Criar modos de levantamento das experiências bem-sucedidas de enfrentamento ao racismo, à discriminação de gênero e de orientação sexual.
No contexto escolar, algumas das recomendações são:
- Realizar conversas com os estudantes sobre os direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e sobre a rede a qual podem recorrer nos casos de violação destes direitos. De preferência, convidar profissionais da rede para colaborar participando de espaços coletivos;
- Realizar ações que fortaleçam os laços de solidariedade entre os membros da escola e destes com as comunidades — aquela onde está a escola, bem como aquelas que abrigam os estudantes;
- Implementar estratégias para maior aproximação com as famílias, para além das reuniões de pais. Nesta direção, a promoção de atividades culturais, de esporte e de lazer podem ser uma via interessante, desde que se considerem as realidades socioculturais das famílias envolvidas, fortalecer o protagonismo dos estudantes, criando com eles espaços para o exercício da cidadania e do diálogo com a gestão. A assembleia de alunos e o fortalecimento dos espaços de representação estudantil são fundamentais nesse sentido.
“Entendemos que a saúde mental é um pilar fundamental para o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes no ambiente escolar. O estudo evidencia a urgência de estratégias intersetoriais que envolvam educação, saúde e assistência social, promovendo uma rede de apoio robusta e eficaz. Ao apoiar a pesquisa, reafirmamos nosso compromisso de criar espaços educativos acolhedores, onde o bem-estar emocional dos estudantes é prioritário. Ao integrar ações de promoção da saúde mental no contexto escolar, estamos contribuindo para a formação de cidadãos mais resilientes e preparados para enfrentar os desafios do futuro”, ressalta Fabiana Prianti, head da B3 Social.
Modelo bem-sucedido de promoção de saúde mental na rede municipal de Pojuca (BA)
A Síntese Evidências destaca como exemplo de cuidado com a saúde mental dos estudantes o Modelo de Apoio à Transição (MAT) do 5o. para o 6o.ano do Ensino Fundamental com elementos fundamentais para um trabalho de promoção da saúde no contexto escolar. O modelo é usado nas escolas da rede municipal de Pojuca, na região metropolitana de Salvador (BA). Tanto a passagem da infância para a adolescência quanto as mudanças de ciclo escolar são momentos nos quais os índices de transtornos mentais diagnosticados são maiores. Por reconhecer que a transição do 5º para o 6º ano do ensino fundamental como um destes momentos mais sensíveis, o modelo busca facilitar a transição por meio de três eixos: promover o pertencimento dos estudantes ao ensino fundamental anos finais — quando geralmente acontece a mudança de escola; apoiar os estudantes na transição da infância para a adolescência; e facilitar a construção de novas formas de relação com o conhecimento. A execução do MAT envolve ações de aproximação entre as escolas e os professores; estratégias para o acolhimento dos estudantes e seus responsáveis; diagnóstico inicial para ajuste de planejamento das unidades letivas; enturmação em formato específico para os ingressantes; além do Grupo de Apoio ao Estudante (GAE) — uma ferramenta de acompanhamento e diálogo com os ingressantes que lida com temas sensíveis à adolescência, ao pertencimento e à relação com o conhecimento. O modelo tem como uma das suas ferramentas principais o mapeamento e a construção de redes intersetoriais (dentro do setor educação) e das redes intersetoriais (educação-saúde-assistência social-justiça).
“A promoção da saúde mental no contexto escolar é fundamental para um ambiente acolhedor e propício ao aprendizado. Iniciar o ano letivo com ações que fortaleçam vínculos e estimulem o bem-estar emocional ajuda a estabelecer uma cultura de cuidado que deve se manter ao longo de todo o período escolar”, diz Olívia Silveira, diretora-executiva do D3e.
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Sobre o D3e – Dados para um Debate Democrático na Educação: associação civil sem fins lucrativos que colabora para o aprimoramento do debate educacional brasileiro e para a qualificação do uso do conhecimento científico no desenvolvimento de políticas educacionais fundamentadas e consistentes, que promovam educação equitativa e de qualidade no Brasil. Saiba mais sobre o D3e em nosso Relatório de Atividades 2023.
Sobre a Fundação José Luiz Setúbal (FJLS): a Fundação José Luiz Setúbal é uma holding social que atua como o maior ecossistema de saúde infantil do país. Sob o slogan “pensa, cuida e defende a infância saudável no Brasil”, promove o bem-estar de crianças e adolescentes por meio da assistência médica, ensino e pesquisa e advocacy e filantropia. É formada pelo Sabará Hospital Infantil, localizado na cidade de São Paulo (SP), e referência no atendimento de crianças e adolescentes até 18 anos; pelo Instituto PENSI e pelo PENSI Social– frentes de Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil, que realizam e promovem estudos científicos para profissionais da saúde, educadores, famílias e sociedade em geral; e pelo Infinis – Instituto Futuro Infância Saudável, braço de filantropia e advocacy, que luta em defesa da saúde da criança e do adolescente e do fortalecimento da sociedade civil no Brasil.